A SACRAMENTALIDADE DOS DIAS NO CICLO PASCAL

A SACRAMENTALIDADE DOS DIAS NO CICLO PASCAL
Frei Luis Felipe Marques, OFMConv.*

O ano litúrgico, revelando todo o mistério de Cristo, propõe um caminho espiritual de fé, de conformação ao Senhor e de formação da comunidade eclesial. Ele compreende dois tempos fortes: o Ciclo Pascal e o Ciclo do Natal. No Ciclo Pascal temos a Quaresma, o Tríduo Pascal e o tempo pascal. Durante a Quaresma e o tempo pascal a Igreja mostra a sua natureza originária: povo que caminha junto para aprender sempre de novo a ser discípulos do Senhor. O ciclo do Natal tem seu início com o Advento e seu fim com a Festa do Batismo do Senhor. Além destes dois, temos o Tempo Comum: memória permanente da Páscoa do Senhor. Há também a memória daqueles homens e mulheres que testemunharam com a oferta da vida o Mistério Pascal (cf. SC 104). 
A celebração do mistério pascal, conforme nos ensinou claramente o Concílio Vaticano II, constitui o cerne do culto cristão no seu desenvolvimento cotidiano, semanal e anual. Com isso, o ápice do ano litúrgico é o Tríduo Pascal, quando celebramos a morte e ressurreição do Senhor e contemplamos a perfeita obra da redenção: Ele morrendo destruiu a morte e ressuscitando renovou a vida. O Tríduo Pascal é precedido pelo tempo da Quaresma e continuado pelo tempo pascal. A Igreja forma-se entre os quarenta dias antes da Páscoa e os quarenta dias depois da Páscoa: experimentamos passagens, vivenciamos imagens, acolhemos realidades novas e convertemos a nossa forma de perceber o mistério de Deus. Dessa maneira, possui valor simbólico a contagem dos dias: os 40 dias da Quaresma, os 3 dias do Tríduo e os 50 dias da Páscoa. Na tentativa de contribuir para uma ação ritual mais ampla, participativa, consciente e frutuosa apresentarei três dinâmicas teológicas-temporais de todo o ciclo pascal: os dias da Igreja, os dias de Cristo e os dias do Espírito. A unidade entre todos esses dias significa e sacramentaliza uma delicada e decisiva mistagogia: relação dinamizada entre o mistério revelado e o mistério existencial daquele que crê. 

Os dias da Igreja

O itinerário simbólico do tempo da Quaresma evoca dois momentos na História da Salvação: os quarenta anos que o povo de Israel viveu no deserto após a libertação da escravidão no Egito e os quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de iniciar sua vida pública. Mais do que uma estruturação prática, a organização quaresmal possui um fator simbólico que encontra suas raízes no Antigo e no Novo Testamento. Quarenta são os anos passados no deserto e que simbolizam a dispersão, a infidelidade do povo e a fidelidade de Deus. Quarenta são os dias de Jesus no deserto marcando a passagem para o início da sua vida pública e para a decisão da sua identidade. O deslocamento de Jesus ao deserto está em profunda sintonia com a experiência vivida pelo povo no Êxodo. No deserto o povo de Israel, Jesus e toda a humanidade pode experimentar um fato: todos foram libertados por Deus, mas continuam num permanente caminho rumo à nossa plena liberdade.
Seja para o povo que viveu 40 anos, como para Jesus que ficou 40 dias, o deserto nunca foi um lugar agradável e consolador. Para o povo, atravessar o deserto foi uma experiência exigente e provocatória, pois eles foram colocados em contato direto com a missão de ser “povo de Deus”, tendo que aprender a confiar mais N'Ele, pois estavam longe da segurança do Egito. Para Jesus, o deserto foi um espaço de tentação, de aceitação e de reconhecimento da sua missão. Prova disso é que o próprio Espírito que O conduziu para este espaço após seu batismo no Jordão. Ali Ele foi colocado diante do projeto de ser “Filho de Deus”. As tentações que Israel suportou no deserto eram semelhantes às três provações as quais Jesus fora submetido e são as mesmas tentações dos homens de todos os tempos. O monte foi provocante para o povo, como para Jesus.
A simbologia do número “quarenta” é inconcebível sem uma motivação final, um objetivo ou um ponto de chegada. A motivação quaresmal é uma motivação pascal na qual recordaremos que Cristo venceu a morte, destruiu o pecado e deu-nos vida com a sua vida. A melhor maneira de entender o percurso quaresmal é à luz da Páscoa. Reduzir a experiência quaresmal numa mera prática ascética vivenciada apenas em certas épocas do ano é fazer dessa experiência apenas tradição, hábito e convenção religiosa-social. Esses quarenta dias devem nos servir para treinar nosso “Espírito” a ser mais silencioso, a levar mais a sério a oração, a dominar alguns apetites desmedidos-compulsivos e a enxergar o irmão necessitado que está do nosso lado. Um treinamento destinado ao encontro de Jesus morto, sepultado e Ressuscitado que deve nos ensinar a viver com e como o Ressuscitado.
A cada ano, os dois primeiros domingos da Quaresma revela-nos duas imagens do rosto de Cristo: o primeiro mostra o rosto humano do Cristo no deserto tentado pelo demônio, que exige Dele continuidade, aceitação e alinhamento com a vontade do Pai; o segundo revela o rosto glorioso do Filho de Deus. Essa polarização é aquilo que vivemos e que estamos inseridos no quotidiano. Nesse sentido, a polaridade existente entre a tentação de Jesus e a sua transfiguração é a polarização existente entre as nossas tentações quotidianas e as nossas vontades de oração. Quanto mais nos dispomos a rezar, mais somos tentados pelo sono, pela dispersão e por tantas palavras desnecessárias. Dessa forma, a oração é um espaço físico de luta interior consigo mesmo e de aceitação do desejo de Deus. O deserto foi o lugar simbólico da solidão e do encontro consigo mesmo e o monte Tabor foi o lugar simbólico da comunhão e da relação com o projeto criativo e salvífico do Pai. Com isso, os dois primeiros domingos da Quaresma trazem dois espaços simbólicos significativos. O primeiro deles nos convida viver o necessário propósito da conversão. O segundo vivifica o nosso espírito a fim de estarmos disponíveis ao desejo de Deus. Esses espaços não são duas opções distintas, mas caminhos únicos que nos permitem recordar a promessa e o sentido da nossa missão. Ora entramos no deserto, ora subimos ao monte. O importante é compreender que ambos os lugares são de passagem e não de permanência. Na Quaresma, o evangelho da transfiguração quer nos ensinar que não vivemos num tempo triste, de rostos sombrios e de palavras pesadas. Subir ao monte une os dois principais objetivos Quaresmais: orar com insistência a fim de mudar nossos intempestivos comportamentos e ouvir a voz do Pai para entender sua vontade e escolher desejá-la para nossas vidas. A partir do terceiro domingo, de acordo com cada ciclo de leituras, a liturgia nos convida a prosseguir o itinerário quaresmal sob enfoques próprios de cada ano: ano A – batismal; ano B – cristológico-pascal; ano C – penitencial. 
Na comunidade primitiva, a Quaresma servia como última etapa de preparação dos catecúmenos ou “iluminados” para o batismo na Vigília Pascal. A liturgia quaresmal testemunhada pelo “sacramentário veronense” está fortemente influenciada por temas “catecumenais”. Progressivamente, com a falta do catecumenato, foi se distanciando dessa perspectiva. Além do mais, o tempo da Quaresma era o tempo penitencial mais forte para os “penitentes públicos” que queriam retornar à fé. Porém, com o passar do tempo, toda a comunidade cristã foi associada seja ao grupo dos “catecúmenos”, seja ao grupo dos “penitentes públicos” para preparar-se para a Páscoa com a escuta frequente da Palavra de Deus, a oração mais intensa e as prolongadas práticas de penitência, em particular, com o jejum. Quando o caráter penitencial do tempo da Quaresma foi estendido a todos os fiéis, iniciou-se a tradição de impor as cinzas sobre a cabeça de todos, lembrando o sentido da conversão. 
A Quaresma é uma palavra cheia de tempo: tempo de tentação, tempo de prova, mas também tempo de desafio, tempo de coragem e de ousadia, tempo de palavras novas e de sentimentos nobres, assim como tempo de paciência e de mansidão. É o tempo do protagonismo da Igreja: “Vós reabris para a Igreja, durante esta Quaresma, a estrada do Êxodo, para que ela, aos pés da montanha sagrada, humildemente tome consciência de sua vocação de povo da aliança” (Prefácio da Quaresma, V). Ora, a Quaresma é o tempo para que a Igreja reveja a sua qualidade de povo de Deus e, através da memória batismal, redescubra a força da Palavra e coloque-se à disposição da vigilância na oração (cf. SC 109) para preparar-se com mais entusiasmo para a Páscoa do Senhor: “Vós concedeis aos cristãos esperar com alegria, cada ano, a festa da Páscoa. De coração purificado, entregues à oração e à prática do amor fraterno, preparamo-nos para celebrar os mistérios pascais, que nos deram vida nova e nos tornaram filhas e filhos vossos” (Prefácio da Quaresma, I).
Esquecendo o sentido pleno e profundo do tempo quaresmal, a linguagem comum usa o termo “Quaresma” em sentido decisivamente negativo, como sinônimo de “falta de alegria”, de “tédio”, de “depressão” e de “tristeza”. O fato de termos perdido algumas evidências fundamentais desse tempo eclesial, transformando a força simbólica da grande “Tradição” numa pequena “tradição” recente, aburguesada e enrijecida, reduziu a Quaresma às práticas devotas de indivíduos piedosos. Um pietismo doentio no tempo da Quaresma expressa um terrível narcisismo religioso marcado não pelo amor reverente ao Senhor e sim pelo temor. A Quaresma não deve possuir o resíduo arqueológico de práticas ascéticas de outros tempos e, para isso, ela deve ser marcada por uma experiência de iniciação mais viva ao mistério pascal de Cristo: “participamos dos seus sofrimentos para participarmos também da sua glória” (Rm 8,17). 
Outra enorme dificuldade referente ao tempo quaresmal é quanto ao seu início e ao seu fim. Encontramos ao menos quatros formas de contagem, com diversas explicações e justificativas: “da Quarta-Feira de Cinzas até à quinta-feira santa, excluída a Missa da Ceia do Senhor (44 dias)”; “da Quarta-Feira de Cinzas até o domingo de Ramos (40 dias)”; “da Quarta-Feira de Cinzas até o sábado santo, excluindo os domingos (40 dias)”; “do primeiro domingo da Quaresma até à quinta-feira santa, excluída a Missa da Ceia do Senhor (40 dias)”. A partir do séc. VI, quando houve a separação entre Quaresma e Páscoa, o jejum passou a ser o elemento central da Quaresma. O mais importante passou a ser a contagem dos dias de jejum, em particular, seguindo os quarenta dias que Jesus jejuou no deserto. Entretanto, após a recuperação litúrgica feita pelo Concílio Vaticano II, confiar ao jejum toda a centralidade do tempo quaresmal parece diminuir todo o sentido do tempo: “o jejum e a abstinência que praticamos, quebrando nosso orgulho, nos convidam a imitar vossa misericórdia, repartindo o pão com os necessitados” (Prefácio da Quaresma, III). Dessa forma, sanando as dificuldades em relação ao começo e ao fim da Quaresma, fiéis à Tradição da Igreja, dizemos que a Quaresma, propriamente dita e contada, começa com o 1º Domingo da Quaresma e segue até a quinta-feira santa, excluindo a missa da Ceia do Senhor. Não há qualquer sentido excluir o domingo da Quaresma porque neste dia não se pode jejuar. A centralidade do tempo quaresmal não pode ser reduzida ao jejum: “não tem mérito nenhum negar alimento ao corpo se no coração não se renuncia à injustiça e se a língua não se abstém da calúnia” (São Leão Magno). Portanto, a Quarta-Feira de Cinzas, a quinta, a sexta e o sábado depois das cinzas são dias de preparação para a entrada na Quaresma. 
O converter quaresmal não é meramente preparação para a Páscoa, mas iniciação para viver com e como o Ressuscitado. Esse “converter” educa a nossa consciência e o nosso corpo. A consciência que necessita despertar-se para o sentido da vida e o corpo que necessita estar ereto para caminhar como homens e mulheres Ressuscitados. É, desse jeito, que renunciaremos a uma forma de olhar pessimista, a um caminhar cabisbaixo e a uma vida centrada em si mesmo. O converter quaresmal tem por objeto o encontro com a vida de Cristo, o projeto salvífico de Deus, sendo que a penitência não é uma simples mortificação ascética, mas uma vivificação do espírito eclesial. 

Os dias de Cristo 

Depois dos 40 dias de “iniciação” ao mistério da Páscoa, entramos no ápice do ano litúrgico com o Tríduo Pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor. São três dias para encontrar e descobrir, conhecer e amar a Páscoa do Senhor como movimento mistagógico, ritmo litúrgico e experiência simbólica: fonte e cume da vida da Igreja. Na reforma litúrgica de 1969, um passo decisivo foi dado e os três dias receberam um novo nome: não mais Triduum sacrum, mas Triduum Paschale. Na mudança do nome há uma mudança na “lógica ritual” e na “hermenêutica teológica”. O Tríduo não fala apenas da paixão e da sepultura do Senhor, mas une paixão, morte e ressurreição. Ele é, ao mesmo tempo, passio e transitus (Transitus Christi e Transitus christianorum). Temos uma Páscoa teológica (mais exatamente, cristológica), baseada na ideia de imolação, e uma Páscoa antropológica, baseada na ideia de passagem. Revela-se, com isso, a iniciativa de Deus e a resposta do homem: graça e liberdade, dom e tarefa. 
Durante os três dias fazemos memória do protagonismo de Cristo na perfeita obra da redenção. O primeiro dia do Tríduo vai da “Missa da Ceia do Senhor” (quinta-feira) até o fim da “Solene Adoração da Santa Cruz” (sexta-feira). O segundo dia começa na conclusão da “Solene Adoração da Santa Cruz” e segue até o início da “Vigília Pascal” (sábado à noite). O terceiro dia inicia com a “Vigília Pascal” e segue até as vésperas do “Domingo da Ressurreição”. A solenidade anual da Páscoa é diferente de todas as outras solenidades e festas do ano litúrgico: inicia na missa da Ceia do Senhor, encontra seu ápice na Vigília Pascal e seu término nas vésperas do Domingo da Ressurreição. Não segue o ritmo diário de 24 horas, mas de três dias distintos que celebram um único mistério. São três dias e, ao mesmo tempo, é somente um. Na contagem normal parecem quatro celebrações, mas são apenas duas: desde o início da missa da Ceia do Senhor até a Vigília pascal participamos de uma única celebração, desdobrada nas várias expressões do mistério de Cristo: traído, morto, sepultado e Ressuscitado. Os três dias celebram a Páscoa do Senhor e na ação ritual atualizamos o mistério salvífico, não reduzindo-o a recordação de um fato histórico, mas participando realmente da obra redentora. 
A centralidade pascal no cristianismo apostólico está comprovada pelo evangelho de João, sobretudo, pela ênfase com que esse evangelista escreve sobre as três últimas páscoas de Jesus (Jo 2,13.23; 6,4; 13,1). Acrescentam-se a esse conjunto a referência pascal de ICor 5,7 e de IPd 1,18-21. O livro dos Atos dos Apóstolos fala-nos em duas ocasiões da Páscoa: 12,3-5 e 20,6. Os textos atestam não apenas o “evento pascal” na Igreja primitiva, mas também a sua “atualização ritual” na ceia do Senhor, celebrada precisamente “em memória da morte do Senhor” (ICor 11,23.26). De fato, a perspectiva pascal resumia todo o mistério de Cristo na Igreja nascente: o culto da Igreja nasceu da Páscoa e para celebrar a Páscoa. 
A Quinta-feira Santa - chamada em Coena Domini – estava ordenada principalmente para comemorar a instituição da Eucaristia, a reconciliação dos penitentes e a consagração dos santos óleos. Nesta noite da “grande semana” termina a Quaresma e inicia o Tríduo Pascal. Essa serve como porta do ciclo e como umbral do rito. A passagem por essa porta marca a saída dos dias quaresmais e a entrada nos dias pascais. Há uma exuberância festiva. Acontece um jogo de sons e de ritmos: todos reunidos cantam o Glória que logo se cala para retornar somente no auge da grande Vigília. Os sinos batem e logo desaparecem. No rito da Ceia, que Jesus mandou celebrar em sua memória, a Igreja perpetua o sacrifício pascal do Cordeiro: “na última Ceia, Cristo instituiu o sacrifício e a ceia pascal, que tornam continuamente presente na Igreja o sacrifício da cruz, quando o sacerdote, representante de Cristo Senhor, realiza aquilo que o Senhor fez e entregou aos discípulos para que o fizessem em sua memória” (IGMR 72). Fundamentalmente, celebrar a Páscoa significa celebrar o rito eucarístico. As leituras falam do rito pascal do Antigo e do Novo Testamento e toda celebração tem caráter festivo, unitário e comunitário. Há uma necessidade de compreender a unidade existente entre a tradição ritual hebraica (primeira leitura), a tradição ritual cristã (segundo leitura) e o sentido novo dado por Jesus (evangelho). Com o rito realizado na última ceia e confiado aos Apóstolos, com a missão de fazê-lo em sua memória, Jesus se introduz no evento pascal, dando um sentido novo à celebração litúrgica da Páscoa hebraica e prefigurando o dom total de si que cumpriria em sua própria Páscoa. Na atualização do evento salvífico, através do memorial eucarístico, a Igreja torna-se sacramentalmente contemporânea à morte e ressurreição de Cristo, como também de toda a sua obra redentora. A Eucaristia, memorial da Páscoa, não remete somente a um passado e a um acontecimento realizado na história, recordação da paixão-morte-ressurreição do Senhor, mas abre-se também à perspectiva futura, à esperança de sua vinda: Maranatha (1Cor 16,22). O rito do lava-pés permite a compreensão do grande e fundamental preceito cristão da caridade fraterna e simboliza o “mandato” de Cristo: “eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13,15). Ao final da celebração ritual da Ceia do Senhor, para entrar na grande espoliação da cruz e da Sexta-Feira Santa, os dons eucarísticos não permanecem na Igreja e o templo assume a sua nudez. O espaço litúrgico é totalmente esvaziado: o tabernáculo está vazio, as toalhas caem da mesa, as velas desaparecem, as flores somem, as luzes se apagam e a cruz é coberta. O edifício da Igreja revela a nudez da cruz: altar nu para a celebração do Cristo nu. O momento é magnífico para uma meditação centrada no abaixamento total de Cristo. Entre a Igreja sem ornamentos e o altar da reposição há o trânsito da assembleia cristã: vamos da vida à morte e da morte à vida. 
A sexta-feira é o dia da contemplação do sacrifício pascal de Cristo e não um dia de pranto e de luto. A celebração não tem força de funeral, mas celebra a vitoriosa paixão do Senhor. Um reducionismo histórico acabou por entender esse dia como recordação da morte de Jesus sem referência à sua ressurreição. Foi justamente a partir da unidade existente entre paixão, morte e ressurreição que o Concílio Vaticano II reinterpretou a celebração da Sexta-Feira Santa e, inclusive, mudou a cor dos paramentos: não mais o preto, recordando a morte do Senhor, mas o vermelho, recordando a sua paixão gloriosa. Os elementos fundamentais desse dia são: a liturgia da Palavra, a adoração da cruz e a comunhão. O início da celebração está marcado pela entrada em silêncio e pela prostração. Depois da prostração e de uma breve oração, passa-se diretamente às leituras. Na ação litúrgica atual se conserva a forma antiga da Liturgia da Palavra. A primeira leitura traz a imagem do Servo de Iahweh; na segunda leitura, o texto de Hebreus ressalta que a figura do Servo encontra realização em Jesus e na entrega da vida sacerdotal. O Evangelho é o relato de Jo 18,1-19.42. A visão joanina do Mistério Pascal ajuda-nos a compreender os sinais da divindade e da glória de Jesus, fazendo uma conexão entre a profissão de fé no mistério de Cristo e o sentido da sua morte. Em seguida, a assembleia iluminada e interpelada pela Palavra abre-se à caridade orando por diversas intenções universais. Depois, entramos no rito da apresentação e adoração da cruz. Na apresentação, procissão e adoração da cruz somos convidados a ver que foi do lenho da cruz que nasceu a alegria do mundo inteiro: “Eis o lenho da cruz do qual pendeu a salvação do mundo”. Canta-se por três vezes e a assembleia, por três vezes, responde: “Vinde, adoremos!”. O ajoelhar-se em cada invocação revela a nossa admiração diante do mistério salvífico: “Pela oblação de seu corpo, pregado na cruz, levou à plenitude os sacrifícios antigos. Confiante, entregou em vossas mãos seu espírito, cumprindo inteiramente vossa santa vontade, revelando-se, ao mesmo tempo, Sacerdote, altar e cordeiro” (Prefácio da Páscoa IV). A profunda ritualidade indica que o bispo tire os sapatos para adorar a cruz e, a partir dos costumes regionais, pode-se beijar a cruz. O beijo na cruz representa a certeza de que naquela morte existe vida. Logo após o rito de adoração, passamos para o rito de comunhão. No antigo uso do Rito Romano, o papa e os ministros não faziam a comunhão na Sexta-Feira Santa. O resto do clero e o povo podiam fazê-la em outras Igrejas até Inocêncio III decretar que somente o presidente da celebração podia realizá-la. Foi Pio XII em 1955 que, com a reforma da Semana Santa e após inflamadas discussões, reintroduziu a prática da comunhão. A comunhão feita com os dons consagrados na Quinta-Feira Santa revela a unidade do mistério existente do “primeiro dia do Tríduo”: ceia e calvário. A solene ação litúrgica da paixão e morte do Senhor termina com uma oração depois da comunhão e com a benção pronunciada sobre o povo. “Venha o vosso perdão, seja dado o vosso consolo, cresça a fé verdadeira e a redenção se confirme”. Nada folclórico, extraordinário, superficial ou marcado por tradicionalismos arcaicos, vazios e doentios, mas ação simbólica-ritual inteligente e sensível que atualiza o mistério da cruz redentora e da paixão gloriosa. 
Com o término da celebração em torno da paixão do Senhor, iniciamos o segundo dia do Tríduo: “nesse dia a Igreja permanece ao lado do sepulcro do Senhor, meditando a sua paixão e morte, abstendo da missa até a solene vigília ou espera noturna da ressurreição”. O sábado santo é dia do silêncio solene e esperançoso: “um grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos”. O Cristo repousa no sono da morte e comemora-se a sua descida aos infernos. Dá-se o misterioso encontro com todos os que esperavam a abertura definitiva das portas do céu (cf. IPd 3,18-22; 4,6): “Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa”. A Igreja nunca estabeleceu um ofício particular para celebrar o fato da sepultura de Jesus. No entanto, o caráter totalmente “a-litúrgico” desse dia, único no ano, confere uma dimensão “quase” sacramental ao vazio e ao silêncio. A celebração vitoriosa do mistério da cruz nos preparou para viver bem o repouso de Cristo. No relato do Gênesis, no último dia da criação, o Senhor repousou; na recriação do mundo, no sétimo dia, Cristo também repousou. 
O ápice do Tríduo é a Vigília Pascal. Nela iniciamos o terceiro dia que será concluído com as II Vésperas do domingo de Páscoa na liturgia das horas. O missal de Paulo VI recorda que, “segundo antiquíssima tradição, esta noite é ‘uma vigília em honra do Senhor’ (Ex 12,42). Assim os fiéis, segundo advertência do Evangelho, tendo nas mãos lâmpadas acessas, sejam como os que esperam o Senhor, para que ao voltar os encontre vigilantes e os faça sentar à sua mesa”. Nessa noite santa, a Igreja celebra, do modo sacramental mais pleno, a obra da redenção e da perfeita glorificação de Deus como memória, presença e espera. Poucas celebrações litúrgicas são tão ricas de conteúdo e simbolismo como a da vigília. A Vigília é também um itinerário sacramental pois se redescobre a dimensão sacramental da vida cristã e o sentido dos sinais sacramentais que sustentam o caminho cristão. Os cristãos velam na noite de Páscoa para celebrar toda a economia salvífica com visão unitária e contínua da criação à parusia. A memória-presença do mistério de Cristo – que venceu a morte com a sua ressurreição – torna-se espera escatológica: na Páscoa ritual que celebramos aguardamos ansiosamente a Páscoa eterna (cf. ICor 5,7; Rm 12,12-24; SC 8). A celebração da vigília está dividida e ordenada em quatro partes: a celebração da luz, a liturgia da Palavra, a liturgia batismal e a liturgia eucarística. Todos os ritos, mesmo diferenciados nas partes claramente definidas, formam um conjunto em torno do núcleo essencial da Palavra de Deus e da Eucaristia. Os sinais sacramentais da luz, da água, do pão e do vinho – explicados e feitos presentes pela Palavra – significam e fazem presente a realidade salvífica da Páscoa do Senhor. 
A primeira parte da vigília celebra a luz do mundo, que é Jesus, no esplendor da sua ressurreição: claridade que “tanto a noite como o dia iluminam” (Sl 139,12). A benção do fogo que acende o círio traz o significado pascal da luz que surge das trevas. A ação simbólica-ritual é performativa e carregada por uma simbologia particular: o presbítero “rasga” o círio com o desenho de uma cruz; escreve o alfa e o ômega e sinaliza o ano que vivemos; insere os grãos de incenso, representando as cinco chagas de Cristo. Os fiéis acendem suas velas no fogo do círio. Não apenas a chama queima, mas o coração de todos se enche de alegria e de exultação. A chama do círio traz consigo um verdadeiro e próprio sentido sacramental. A luz do círio pascal fala-nos do Ressuscitado que venceu as trevas. O cume dessa primeira parte é o anúncio da Páscoa. Esse anúncio é um maravilhoso prefácio e um prólogo solene de ação de graças pela alegria de um mundo regenerado e unido ao seu Criador pela força do Mistério Pascal de Cristo: “ó noite em que a coluna luminosa as trevas do pecado dissipou, e aos que creem no Cristo em toda a terra em novo povo eleito congregou”. A luz do círio dá lugar à realidade de Cristo presente na sua Palavra. São propostas nove leituras que nos introduzem no sentido e no alcance da Páscoa na vida da Igreja. As primeiras sete leituras, tomadas do Antigo Testamento, prefiguram os mistérios pascais: a criação do mundo e do homem, o sacrifício de Abraão e a passagem do Mar Vermelho, e um texto escatológico de Isaías. As outras três leituras possuem caráter batismal. A leitura do Evangelho revela o descobrimento do túmulo vazio e o anúncio do anjo: Jesus ressuscitou! Na tradição litúrgica, todas essas leituras se chamavam profecias: mesmo quando não são diretamente anúncios de acontecimentos futuros, elas têm um caráter profético, mostram-nos o fundamento íntimo e a direção da história. Após a liturgia da Palavra, encontramos uma profunda e sugestiva liturgia batismal e a atenção da assembleia desloca-se para a fonte batismal. A fonte é, ao mesmo tempo, tumba do passado e seio materno que gera vida para a Igreja. O elemento principal é a água. Essa recorda, por um lado, as águas do Mar Vermelho, o afundamento e a morte, o mistério da Cruz; mas, por outro, aparece-nos como água nascente, como elemento que dá vida na aridez. O celebrante benze-a com a oração epiclética: “que o Espírito Santo dê, por esta água, a graça de Cristo, a fim de que o ser humano, criado à vossa imagem, seja lavado da antiga culpa do batismo e renasça pela água e pelo Espírito Santo para uma vida nova”. A benção da fonte significa que a graça do batismo não sai da água como elemento material, mas do Espírito Santo que santifica: “Nós te pedimos, Senhor, que o poder do Espírito Santo desça, por teu Filho, sobre a água dessa fonte, para que os que foram sepultados com Cristo, em sua morte, ressuscitem com ele pelo batismo para a vida”. O mistério da noite pascal culmina na liturgia eucarística. Há uma íntima ligação entre o Mistério Pascal de Cristo e o mistério eucarístico (cf. SC 47). É essa a força que opera na Páscoa. A Igreja encontra sentido somente quando oferece o pão e quando reflete ou faz teologia deve recordar sempre que não existe nada melhor do que o pão consagrado para exprimir a potência da ressurreição. 
A liturgia do Domingo de Páscoa celebra o acontecimento pascal como “dia de Cristo”: “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado, celebremos, portanto, a festa, não com o velho fermento, nem com fermento de malícia e perversidade, mas com pães ázimos, na pureza e na verdade” (ICor 5,7-8). A manhã de Páscoa traz um anúncio antigo e sempre novo: Cristo ressuscitou! As leituras bíblicas contêm o querigma pascal e a recordação dos compromissos da vida nova em Jesus Ressuscitado: “Na vossa ressurreição, ó Cristo, alegrem-se os céus e a terra”. As narrações evangélicas, que referem as aparições do Ressuscitado, concluem-se normalmente com o convite a superar qualquer incerteza, a confrontar o acontecimento com as Escrituras, a anunciar que Jesus, além da morte, é o eterno vivente, fonte de vida nova para todos aqueles que creem: “Ele [...] imolado, já não morre; e, morto, vive eternamente” (Prefácio da Páscoa II). Dessa forma, a Páscoa de Cristo é o mistério fundamental, a realidade que está alicerçada a nossa fé. Não se trata de uma verdade intelectual, mas uma verdade que toca a nossa própria vida e nossa história: “Páscoa de Cristo na Páscoa da gente, páscoa da gente na Páscoa de Cristo”. Dá-se aqui uma relação entre evento e sacramento. Com o evento pascal se inaugura um “tempo novo” e se abre a estrada para que todos tornem-se “homens novos”, construtores de humanidades novas a fim de preparem os novos céus e a nova terra: “como a sua Paixão significou a nossa vida antiga, assim a ressurreição é sacramento de vida nova”. Celebramos este dia como origem e simultaneamente como meta da nossa vida: “vencendo a corrupção do pecado, realizou uma nova criação. E, destruindo a morte, garantiu-nos a vida em plenitude” (Prefácio da Páscoa IV). Celebramo-lo porque agora, graças ao Ressuscitado, o amor é mais forte do que a morte. A Páscoa anual é sombra e imagem da Páscoa futura. Na Páscoa do seu Filho unigênito, Deus revela plenamente a si mesmo, a sua força vitoriosa sobre as forças da morte e do pecado, a força do Amor trinitário e salvífico.

Os dias do Espírito  

A Igreja prolonga, sem dúvida inspirada na tradição judaica, a festa da Páscoa por sete dias. A oitava da Páscoa, em princípio, acabava no sábado, visto que se tomava como ponto de partida a vigília pascal. Era a celebração da oitava do solene batismo pascal, onde os neófitos deixavam as vestes brancas. Os documentos litúrgicos romanos relacionavam a semana da Páscoa, ou semana in albis, com o domingo, chamado no sacramentário gregoriano de Dies dominica post albas. Nesse sentido, os 50 dias da Páscoa a começar pelos sete, inspirados na tradição veterotestamentária, constituem a novidade radical da festa cristã: “os cinquenta dias que vão desde o domingo da ressureição até o domingo de Pentecostes devem ser celebrados com alegria e exultação, como se se tratasse de um só e único dia festivo, e mais ainda, como um grande domingo” (NALC 22). Os cinquenta dias são os dias do Espírito, por isso, Pentecostes não é apenas o último dia, mas a totalidade dos 50 dias. Por essa razão, o tempo pascal possui um duplo aspecto: de um lado, a “experiência do dom” gratuito por excelência, a graça encarnada, vivida e transfigurada; por outro lado, a “recepção do dom”, o trabalho eclesial, a tradução do dom em tarefa, em testemunho e em forma de vida. 
A Páscoa inaugura em todos os lugares um tempo de festa de sete semanas que se assemelha a um grande domingo que recebe o nome de Pentecostes, vindo a ser a Páscoa prolongada. Esses sete dias por sete, como o quinquagésimo por coroamento, pareceu para os primeiros cristãos como a perfeição mais completa imaginável. O simbolismo do oitavo dia (sete mais um), característico do domingo como plenitude segundo os Padres, leva-nos ao número cinquenta (sete vezes sete mais um). Como o domingo supera o sábado, Pentecostes supera as sete semanas e dá início ao tempo novo do Espírito, a transformação da Igreja e a recriação da humanidade. De tal forma, Pentecostes significou, desde muito cedo, um período de cinquenta dias e não uma festa particular. Tanto é que os livros litúrgicos nomeiam esse dia como “domingo de Pentecostes” e não como “festa de Pentecostes”. Algumas tradições chegam a afirmar que Pentecostes não possui um conteúdo histórico-trinitário, festa do Espírito Santo, mas um conteúdo cristológico original que celebra a presença de Jesus depois da ressurreição. Jesus Ressuscitado “vive pelo Espírito” (IPd 3,18): somente o Espírito Santo, pode torná-lo presente e fazer com que se manifeste através dos ritos e das palavras. Somente o Espírito Santo pode fazer cair o véu dos nossos olhos e do nosso coração para que o reconheçamos no partir do pão. 
A primeira semana da Páscoa, ao se estabelecerem os formulários próprios para a celebração diária da eucaristia, recebeu como textos evangélicos os relatos das aparições do Ressuscitado. O caminho da fé leva-nos progressivamente ao sepulcro vazio que leva Maria Madalena a crer que lhe roubaram o corpo, a Pedro que quer comprovar o fato e a João que viu e creu. Também, no segundo e no terceiro domingo da Páscoa, a liturgia lê os evangelhos das aparições. O dom do Espírito, a reconciliação universal e o perdão dos pecados manifestam-se como ação principal do Jesus vivente transmitida aos seus discípulos. Mostrando as feridas, Ele é o cordeiro imolado e glorificado, o sujeito principal da celebração sacramental da Páscoa. A aparição do terceiro domingo, junto ao lago de Tiberíades, alia-se às outras que nos revelam a Igreja como comunidade do Ressuscitado. O quarto domingo, lendo sucessivamente diversas passagens do cap. 10 de João, acentua a imagem do Bom Pastor. Reproduzem-se, nos domingos seguintes, longas passagens do discurso da última ceia, os aspectos pascais mais salientes que não se tinham lido na Quaresma precedente. Por último, lê-se no sexto domingo, todo o capítulo 17 de João, reproduzindo a oração sacerdotal e de despedida por inteiro. No sétimo domingo, a Ascensão, aspecto glorioso da Páscoa, permite explicar as características do triunfo pascal. Cristo sentou-se à direita do Pai, e a Igreja continua a sua missão. Esse subir ao céu é a origem de carismas para a Igreja, até levá-la à plenitude daquele que em todos leva à perfeição. 
Os quarenta dias transcorridos entre o evento da ressurreição e a ascensão de Jesus aos céus fez com os discípulos sintetizassem a missão de Jesus de Nazaré e compreendessem o início da missão deles. Eles deviam dar continuidade ao mesmo projeto de Jesus. Tomando consciência dessa continuidade histórica, o Espírito Santo foi derramado para romper o medo e a culpa. Foi Ele quem deu sentido, vitalidade e futuro à nova missão dos discípulos. O evento do Pentecostes enviou a comunidade primitiva para ser vida, santidade, salvação e ressurreição ao mundo. O Espírito que permaneceu em Jesus, durante o seu percurso histórico, passou a habitar nos responsáveis pela continuidade da presença do Senhor entre os homens. Ele foi dado aos discípulos com o gesto simbólico do sopro, recordando o momento da criação quando o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida. No Pentecostes, a Igreja começou a viver a sua fase adulta e a reconhecer a grandeza do mistério. Dessa maneira, esse evento é a realização da Páscoa e não somente a festa do Espírito. É a celebração da vida nova gerada pelo Espírito do Ressuscitado na vida da Igreja. O Espírito Santo não trouxe um ensinamento diferente, mas tornou vivo e concreto o ensinamento de Jesus: “o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e recordar-vos-á tudo quanto vos tenho dito” (Jo 14,26). 

Considerações finais 

A sacramentalidade do ciclo pascal mostra-se não estática e imóvel e marca um processo de transformação e passagem: do jejum à celebração, da escravidão à liberdade, da mortificação à vivificação, ou seja, da morte à vida. Não apenas um dia, mas todo o processo temporal, sacramental, pedagógico e mistagógico é chamado de Páscoa. Assim como o cordeiro imolado marcou a saída do Egito para a Terra prometida, sendo que em cada celebração da Páscoa o povo judeu se conscientizou de que sempre foi chamado da escravidão para a liberdade, agora é Cristo quem, não só na Páscoa, mas em cada Eucaristia, opera em nós a passagem da morte à vida nova no Espírito. A Páscoa anual, portanto, com toda essa complexa articulação de preparação quaresmal, semana santa, Tríduo e tempo pascal, tem sua razão de ser mais na exigência celebrativa da Igreja do que na re-invocação filológica do evento originário. O tempo pascal é o desenvolvimento cronológico do Kairos da misericórdia que a ressurreição manifesta. O Senhor Ressuscitado, diversamente do Jesus histórico, não pode mais ser desfigurado, podendo ser reconhecido apenas no amor e através da Sua obra redentora. É o amor que, nutrindo a fé e a esperança, torna-se o tema central da Páscoa e serve como progressiva identificação, no Espírito, da Igreja como corpo de Cristo. 


Obras consultadas:
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BELLAVISTA, J. “Preparação para a Páscoa: a Quaresma”, in: D. BOROBIO (org.). A celebração na Igreja. Ritmos e tempos da celebração. São Paulo: Loyola, 2000. pp.143-160. 
BELLAVISTA, J. “A quinquagésima pascal”, in: D. BOROBIO (org.). A celebração na Igreja. Ritmos e tempos da celebração. São Paulo: Loyola, 2000. pp.121-142. 
BERGAMINI, A. “Ano Litúrgico”, in D. SARTORE-A. M. TRIACCA (org.). Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992. pp. 58-63.
BUYST, I. O segredo dos ritos. Ritualidade e sacramentalidade da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 2011. 
CANTALAMESSA, R. O mistério da Páscoa. São Paulo: Ed. Santuário, 1994.
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FERRARI, M. Farò la Pasqua da te. Commenti biblici per la Quaresima e la Settimana Santa. Assis: Cittadella Editrice, 2022. 
INSTRUÇÃO GERAL DO MISSAL ROMANO. Brasília: CNBB, 2016. 
GRILLO, A. Iniziati alla pasqua. Meditazioni per la quaresima. Brescia: Queriniana, 2017. 
GOUZES, A. La notte luminosa. Iniziazione al misterio della Pasqua. Magnano: Qiqajon, 2015. 
REMONDI, G. Adorare, stare il silencio, vegliare. La “diversa” festa solene triduo pasquale. Verucchio: Pazzini, 2015. 

*Franciscano conventual, presbítero, doutor em teologia sacramentária pelo Pontifício Ateneu Santo Anselmo e vice-presidente da ASLI. frluisfelipe@gmail.com 

 
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